A triste troca de uma escova de dentes

*Rodrigo Alves de Carvalho


Duas escovas de dentes conversam no armarinho de banheiro. 

— Tu estás descabelada hein amiga? Suas cerdas já viram dias melhores! 

— O que posso fazer? Já estou sendo usada há quase um ano e meio e meu dono não quer me descartar! 

— A aposentadoria está demorando? 

— Pior que não limpo mais nada! Só sirvo para massagear os dentes amarelos daquele ser imundo! 

— Paciência! Eu estou aqui há uma semana e minha dona me usa delicadamente em seus dentinhos branquinhos e miudinhos. 

— Como pode uma moça fina como ela, que só come comidas naturais e sucos incolores e nunca colocou uma gota de café na boca, se apaixonar por esse troglodita fumante, que cutuca os dentes com qualquer coisa pontuda que encontra para tirar as carnes que ficam alojadas por semanas entre seus molares! 

— Ela é cuidadosa. Olha bem para minhas cerdinhas! Estão praticamente intactas, além de que... que hálito doce e perfumado minha dona tem! 

— Realmente. Você é uma escova de dentes sortuda! Não tem que aguentar o hálito de gambá com refluxo que meu dono tem toda manhã quando vai escovar seus dentes e me lambuza toda com sua baba grudenta! 

— Paciência amiguinha! Quem sabe você será substituída logo? 

— Não vejo a hora de ser jogada no lixo! Com certeza, o saco de lixo é mais limpo e menos asqueroso que aquela boca nojenta! 

Na manhã seguinte, o dono da escova a apanha e a besunta toda com creme dental. Começa a escovar os dentes. Ainda sonolento, inventa de fazer xixi ao mesmo tempo, e a escova escorrega de sua mão, caindo dentro da privada, e para deixar mais nojenta a situação, estava suja, porque ele havia acabado de usar, mas ainda não tinha dado descarga.  

Ficou a escova de dentes boiando juntamente a outras coisas, que não vem ao caso agora. 

O dono pensou em apanhar a escova, dar uma lavada e guardar no armário, mas teve bom senso e a jogou no cesto de lixo do banheiro. 

— Adeus amiga! Agora poderei ser feliz num lixão! Num asilo de escovas de dentes usadas! 

— Adeus amiguinha! Te desejo sorte. A mesma sorte que eu tive por pertencer a uma dona tão meiga, delicada e higiênica. 

Ela nem bem acabou de dizer adeus à amiga descabelada, e o rapaz, ainda com pedaços de couve da janta do dia anterior entre os dentes, a apanha sorrateiramente, e sem ao menos colocar o creme dental, escova seus dentes amarelos sem parar. A coitada foi tanto usada que também ficou descabelada. 

Um pouco tempo depois, sua dona aparece, e para sua surpresa, coloca outra escova de dentes novinha ao seu lado. 

*Jornalista, escritor e poeta, nasceu em Jacutinga (MG), possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores. 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal da Nova

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