A importância de nos guiarmos pela razão

*Pablo Diego Barros de Jesus


Recentemente, durante meus estudos sobre ciência da religião e teologia reversa, fiquei estupefato ao descobrir que o teólogo cristão Orígenes de Alexandria (185 EC-253 EC) castrou a si próprio após tomar literalmente a leitura do capítulo 19, versículo 12, do Evangelho de Mateus. A passagem transcrita é a seguinte: “Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos Céus. Quem puder compreender, compreenda”.

Orígenes considerou que seria necessário remover seu órgão reprodutor sexual como forma de alcançar o Reino dos Céus que ele almejava. A atitude extremada do sectário cristão pode ser entendida como uma demonstração obediente de muita fé na busca daquilo em que se acredita.  A devoção religiosa, por sua natureza intrínseca, tem a capacidade de privar o ser humano do pensamento racional, lógico e do bom senso. Quando a concepção mística se sobrepuja na cognição de uma pessoa, por outro lado a percepção real e coerente esmorecem.

É sabido que as religiões, via de regra, se estabelecem no coração dos devotos através do princípio da obediência e do princípio do não questionamento. Pensar de forma crítica e duvidar desafiaria a suposta inerrância do livro alegado sagrado. Querer provas da existência de um deus fictício; contestar um nascimento virginal inverossímil; indagar sobre explicação lógica para hipotéticos milagres; suspeitar da inexistente sacralidade de um livro antigo sem evidências; perscrutar sobre ressurreição impossível de mortos; contestar explicação teológica da existência de um conjecturado e implausível mundo incorpóreo:  são proibições ao religioso, sob pena de cometimento de blasfêmia.

O filósofo francês Michel Onfray no Tratado de Ateologia, página 53, evidencia o risco periclitante dos três monoteísmos (cristianismo, judaísmo e islamismo) ao intelecto. O escritor assinala que “as religiões abraâmicas partilham uma série de desprezos idênticos: ódio da razão e da inteligência; ódio da liberdade; ódio da ciência; ódio de todos os livros em nome de um único”. Mas qual seria a importância do entendimento crítico e congruente em contraposição à compreensão teológica restringente?

O escritor e doutor em Psicologia Ronaldo Pilati no livro Ciência e Pseudociência, na página 81, assevera, de forma instrutiva, que “o pensamento científico diminui a ocorrência do viés de confirmação para compreender a realidade, permitindo que não caiamos na situação circular e viciosa de confirmar aquilo em que já acreditamos”. Interessante pontuar, neste aspecto, que a religião, seja qual for, é um sistema infalível e alienante que dificulta, e até impossibilita, a busca pela verdade e a compreensão realística do mundo em que vivemos.

A incorporação de ideias religiosas como guia de percepção de mundo retira do ser humano a capacidade de utilizar a inteligência em sua potência máxima ao basear-se numa perspectiva fantasiosa desprovida de evidências e provas comprobatórias. A ciência demonstra, elucida e fundamenta. A religião, em oposição, fabula, ilude e desinforma. A explicação das coisas do mundo pela ótica científica, crítica e reflexiva tem atraído cada vez mais pessoas para o centro de gravidade da razão - em oposição ao pensamento mágico religioso.

Relatório do último Censo na Inglaterra e País de Gales, divulgado em novembro pelo Office for National Statistics, mostra que cristãos são minoria pela primeira vez nos países. Em dez anos, o número de cristãos caiu de 59.3% para 46.2% (2001 para 2021). Em comparação, o número de pessoas sem religião (ateus, agnósticos) cresceu para o patamar de 37.2% da população no mesmo período, o que representa mais de um quarto dos cidadãos desses países sem nenhuma adesão religiosa na atualidade.

O mesmo fenômeno de expansão do pensamento secularista é observado em boa parte dos países da Europa e também nos Estados Unidos, onde as pessoas sem afiliação religiosa (ateus, agnósticos ou nada em particular) representam 29% da população nos dias atuais, enquanto o número de cristãos encolheu de 75% em 2011 para 63% em 2021, mostrou pesquisa realizada pelo Pew Research Center. Também no Brasil, que oficialmente já teve sua população cem por cento considerada religiosa, hoje possui um contingente de 14% de pessoas sem religião, de acordo com pesquisa Datafolha a nível nacional realizada em 2022 (os não religiosos eram 8% da população conforme o Censo de 2010).

A mente do reverenciador religioso precisa golpear à marreta diariamente a coerência, o raciocínio lógico e o pensamento crítico para que os fundamentos teológicos em que acredita não percam a validade e eficácia de forma a não confrontar a concepção fabulosa do universo que a religião institui. A visão científico-racional de mundo, aliada a um olhar cético, é a forma mais imparcial e adequada de entender a dimensão da vida e os fenômenos naturais ao qual estamos inseridos. O progresso da humanidade - que traz consigo desenvolvimento, qualidade de vida e compreensão mais próxima da realidade - precisa, cada vez mais, de exortação à razão. E, cada vez menos, de eunucos religiosos fanatizados.

*Bombeiro militar, tem 37 anos, mora em Nova Andradina, cético e questionador.

Este texto, não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal da Nova

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