Uma democracia sem pé nem cabeça

*Percival Puggina


O sistema político brasileiro é uma panela de pressão. Como não há poder legítimo para resolver impasses, vive-se uma inquietude a gerar permanente instabilidade e insegurança. Os caminhos assinalados para o processo eleitoral, que seriam a saída por via democrática para uma trajetória de normalidade, só agravam o quadro pois, de modo sistemático, beneficiam a representação e não os representados. E esse é o problema principal do Brasil hoje. Uma democracia que lembra frango congelado, sem pé nem cabeça, onde o povo é visto como um mal perigoso e dispensável.

Friedrich Hayek, em Direito Legislação e Liberdade, adverte que o poder ilimitado dos organismos estatais representativos leva a uma democracia de negociações que se afasta das concepções comuns do eleitorado. Nessa trilogia escrita há cinquenta anos, o autor austríaco mostra que a necessidade de compor maiorias rompe o cordão umbilical que liga representantes e representados (no caso ele foca os parlamentos) e cria o novo absolutismo das conveniências comuns e seu corolário: arbitrariedade, discricionariedade, corrupção, ineficiência, parasitismo, irresponsabilidade e limitação da liberdade individual.

O problema apontado é antigo, bem antigo. Contudo, eu nunca vi nas instituições esse mesmo ânimo antipovo em períodos supostamente democráticos. Respeitava-se até o “povo” das invasões a propriedades públicas e privadas, o “povo” dos arrastões e o “povo” dos showmícios e grupelhos, comprados por lote ou cabeça, a dez reais, sanduíche e tubaína.

Que o Estado sempre faz o que bem lhe convém, a gente sabe. Nestes tempos taciturnos, sem cores nem sons, há uma alarmante novidade: dezenas de milhões de brasileiros estão conscientes de que sua posição política é malvista pelo Estado e seu chicote de sanções que vão da censura à prisão ou o exílio, passando pela tornozeleira, apreensão de bens e bloqueio de contas.

Apenas 25 países do mundo têm uma população superior a esse contingente de 58 milhões de cidadãos brasileiros cuja cidadania está contida e sob permanente inspeção. Suas convicções e opiniões, individualizadas ou compartilhadas, estão submetidas a uma campanha difamatória que já conta seis anos, comandada pelo jornalismo companheiro ou camarada.

Divergir tornou-se pecado. O que se observa no jornalismo, nas manifestações de ministros do combo STF/TSE, ou do ministro da Justiça, não é diferente do que acontece em ambiente de berreiro quando, nas universidades, se apresenta algum audacioso professor ou palestrante conservador ou liberal. Quem pensa fora da caixinha da esquerda ali não é admitido. Foi o que se observou durante a campanha eleitoral no tratamento dispensado aos grandes veículos de comunicação, em escancarada campanha contra Bolsonaro e citados como referência de credibilidade; ao mesmo tempo, via-se o cancelamento de canais digitais sob a acusação de uso de empresa privada em desfavor de Lula ou a favor de Bolsonaro.

Ou será que nesta democracia sem pé nem cabeça, sem povo nem ovo, só eu vi isto?  

*Membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Este texto, não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal da Nova

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