A colaboração de Moura Andrade no golpe de 1964

*Ricardo Oliveira


“A função do historiador é lembrar a sociedade

daquilo que ela quer esquecer”

Peter Burke

O ano de 2024 marca os sessenta anos do golpe que mergulhou o Brasil em uma ditadura militar que durou vinte e um anos. E, de forma indireta, a história de Nova Andradina liga-se aos acontecimentos que resultaram nesse triste episódio de nossa história.

No dia 31 de março de 1964, o general Olímpio Mourão Filho deslocou suas tropas da 4ª RM/DI de Minas Gerais para uma ação militar que resultou na deposição do presidente da República: João Goulart. Eleito vice-presidente nas eleições de 1960, Jango (apelido de João Goulart), assumiu o poder após inesperada renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961. Portanto, ele era presidente legítimo, conforme previa a Constituição de 1946.

O governo Jango foi marcado por crise econômica, instabilidade política e luta por reformas sociais. Era a época da Guerra Fria, onde EUA (capitalista) e União Soviética (comunista) disputavam a hegemonia do mundo. A Revolução Cubana em 1959, com a instituição de um governo comunista na ilha, acendeu o sinal de alerta entre as forças conservadoras no continente americano, que passou a ver qualquer governo com iniciativas políticas de cunho social como uma porta de entrada para o comunismo na região.

O começo dos anos 1960 no Brasil foi marcado pela queda nas taxas de crescimento e o aumento da inflação. Isso era consequência do esgotamento do modelo de desenvolvimento via substituição de importações que havia sido gradativamente implementado no país desde a década de 1930. A ideia era colocar a indústria como protagonista do desenvolvimento econômico com apoio do Estado. Algo que funcionou até certo ponto.

No decorrer da década de 1950, setores dentro e fora do governo começaram a perceber que o desenvolvimento brasileiro só iria se consolidar com reformas de impacto na estrutura econômica do país. Uma das principais medidas defendidas na época foi a reforma agrária, a qual era visto como forma de democratizar o acesso a propriedade da terra, aumentar a produção de matéria prima para o setor industrial e criar uma classe média agrária consumidora dos produtos urbanos. No fundo, era uma reforma de cunho capitalista.

Com a crise econômica no alvorecer dos anos 1960, as forças sociais de esquerda organizadas pressionaram cada vez mais pela implantação das reformas econômicas. Alguns grupos falavam em um horizonte comunista. De outro lado, setores do empresariado, latifundiários, grupos religiosos e classe média se uniam contra qualquer política reformista que pudesse ameaçar seus privilégios. A polarização política se acentuou.

Jango tentou se equilibrar em meio a esse cenário instável. Porém, sem sucesso. Em 13 de março de 1964 ele participou do Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Foi sua adesão pública ao projeto reformista das esquerdas. Em 19 de março de 1964 foi realizado em São Paulo a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, uma resposta ao comício de Jango que reuniu a nata da oposição ao seu governo. E aqui a história de Nova Andradina se conecta, de certo modo, aos acontecimentos nacionais da época.

Na Marcha da Família com Deus pela Liberdade esteve presente Auro de Moura Andrade, filho de Antônio Joaquim de Moura Andrade, fundador da cidade de Nova Andradina. Ele era o Presidente do Senado quando, dias depois, o general Olímpio Mourão Filho deu início a sublevação militar. Jango, ao tomar conhecimento da ação do general, saiu do Rio de Janeiro e, após uma breve passagem por Brasília, viajou ao Rio Grande do Sul para avaliar junto aos apoiadores as possibilidades de resolver a crise política.

Na madrugada de 02 de abril de 1964, enquanto João Goulart ainda estava em solo brasileiro, Auro de Moura Andrade presidiu uma tumultuada sessão no Congresso Nacional onde proferiu as seguintes palavras: “Atenção! O senhor presidente da República deixou a sede do governo. Deixou a nação acéfala. Em uma hora gravíssima, da vida brasileira, em que é mister que o chefe de Estado, permaneça à frente do seu governo. [...] Assim sendo, declaro vaga a presidência da República”.

Com essa decisão, sem respaldo legal, já que Jango estava em Porto Alegre, Auro de Moura Andrade chancelou a ação golpista das forças armadas. João Goulart deixou o Brasil apenas no dia 04 de abril de 1964, rumo ao exílio no Uruguai, sem resistir. Conforme ele disse para seus correligionários na época, se a sua permanência na Presidência significasse o derramamento de sangue de brasileiros, ele preferia partir do país.

Do outro lado, Auro de Moura Andrade se tornou uma peça fundamental para o êxito de uma ação golpista que resultou na construção de um regime ditatorial que vigorou no país por 21 anos, e que teve entre suas características o autoritarismo, a censura, a violação dos direitos humanos através de perseguições, prisões, torturas e assassinatos de opositores políticos, o aumento da desigualdade social e uma grave crise econômica nos anos 1980.

Referências:

BANDEIRA, Moniz. O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil. 1961-1964. 6ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.

FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org.). O Brasil republicano. 4. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.

Vídeos do discurso de Auro de Moura Andrade:

https://www.youtube.com/watch?v=fWKNPIDO5YY

https://www.youtube.com/watch?v=B-3Ng_eaG2I

*Professor do Curso de História da UFMS/CPNA

Este texto, não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal da Nova

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